Lindo texto do talentoso Octavio Caruso, que foi narrado em um comovente e emocionante vídeo, durante o Prêmio da Dublagem Carioca, em 2012.

Um pedido pessoal meu, meus queridos: Por favor, peço que leiam e divulguem em seus perfis de facebook, twitter, em suas mídias sociais. Isso é muito importante para mim e todos os meus colegas dubladores. Poderiam fazer essa gentileza? Eu agradeço muito, de coração!

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A VERSÃO BRASILEIRA

O caminho da dublagem foi árduo. A revolução do som iniciou-se na América com “O Cantor de Jazz” de 1927, mas foi apenas em 1929 que esta ferramenta foi utilizada em sua plenitude, no filme “Luzes de Nova York”. O cinema mudo tornava fácil a universalidade de seus produtos, pois bastava traduzir as cartelas de diálogos para qualquer idioma, porém com o advento do cinema falado, fazia-se necessária maior mão de obra. Na Europa, o método das legendas não foi bem aceito, fazendo com que o cinema americano tivesse que trabalhar dobrado, realizando por vezes produções em dois ou mais idiomas ao mesmo tempo, utilizando os mesmos cenários, mas nem sempre os mesmos atores e diretores. Clássico é o exemplo do “Drácula” de 1931, onde Bela Lugosi vivia o conde para o público americano, enquanto Carlos Villarías mordia jugulares na versão espanhola. Obviamente este processo era incrivelmente trabalhoso e economicamente inviável, logo os produtores perceberam que não era o melhor caminho a ser seguido.

Os europeus até hoje estão acostumados com a dublagem dos filmes estrangeiros em seus cinemas. Diretores como Fellini e Pasolini afirmavam sua preferência à dublagem, assim como o mestre do cinema Neo-Realista Italiano Roberto Rossellini, que com uma exceção, preferiu que todos os seus projetos fossem dublados, e quase sempre por vozes de outros atores que não aqueles que apareciam na tela. O público italiano (e o europeu em geral) faz questão de ouvir seu próprio idioma nas telas de cinema, como na moderna obra prima de Tornatore: “Cinema Paradiso”, em que todos os atores americanos foram dublados no idioma pátrio. No Brasil, o diretor Nelson Pereira dos Santos era o responsável por todas as dublagens dos filmes do mítico Stanley Kubrick.

No Rio de Janeiro elegante da década de cinquenta, a dublagem ainda não era uma realidade possível, quando em 1955 foi realizada a primeira gravação em acetato na Rádio Nacional, da radionovela: “O Romance da Eternidade”. Extremamente trabalhoso, não se podia conjecturar qualquer erro, pois qualquer deslize cometido sacrificaria todo o trabalho que teria de ser refeito do início! Uma hora e meia sem pausas e com 80 atores da própria rádio, um sonoplasta e um operador, todos juntos no mesmo ambiente.

Nos estúdios do laboratório carioca de cinema: CineLab, ainda na década de 50 encontravam-se os pioneiros Milton Rangel, Luis Manoel, Carlos Macchi, Domingos Martins, Rodney Gomes, Maria Alice Barreto (que dublou “Branca de Neve”), Jefferson Duarte, Ribeiro Santos, Joaquim Motta, Paulo Goulart, Nicete Bruno, Nathalia Timberg, Hugo Carvana, Roberto Maia, Sonia Morais, Claudio Cavalcante e Francisco Milani, por exemplo. Problemas poderiam ocorrer, como quando após muitos ensaios e no meio de uma gravação, acabava-se o carvão de uma lâmpada. Sim, pois na época não havia eletricidade suficiente para gerar a energia necessária para esta atividade. Após serem obrigados a aguardar quinze minutos pela troca do carvão, os profissionais retornavam à gravação. Somente com a inclusão da lâmpada de alogênio é que o processo se simplificaria. Em 16 milímetros existia um processo, onde após a edição e a mixagem, pegava-se aquele som já trabalhado e passava-se para a trilha musical do filme, para somente depois ir para o laboratório, que fazia a junção da imagem e do som em uma fita, chamada master. Durante cerca de vinte anos (o tempo que durou o processo de 32 e 16 milímetros), realizar a dublagem era um exercício hercúleo de paciência e dedicação extrema.

O U-Matic (similar à fita Beta, porém com som analógico) veio na sequência. Era uma máquina que só tinha uma pista de gravação, o que tornava muito difícil gravar as bandas duplas. A solução encontrada era dublar tudo em um canal, que depois era integrado ao ME (música e efeitos), onde na mixagem se juntava às vozes. Este processo de gravação conjunta perduraria várias décadas até o advento da DA, que possibilitava com seus oito canais a gravação individual de cada profissional. Antes disto, caso houvesse a necessidade de fazer uma cena com dez personagens, dez profissionais haveriam de estar gravando juntos.

Herbert Richers e Victor Berbara eram sócios neste período inicial, até a dissolução da sociedade, que levaria Herbert a criar seu próprio estúdio, enquanto Berbara seguiria distribuindo filmes em sua VTI Rio. Herbert Richers iniciou como produtor nas clássicas chanchadas da Atlântida, porém buscava o know how dos americanos, procurando sempre trazer para o Brasil as mais modernas melhorias técnicas. Sendo amigo de Walt Disney, ele transitava nos estúdios de Hollywood, onde acabou ficando a par das novidades tecnológicas da dublagem, trazendo todo este conhecimento para o Rio de Janeiro.

Outro nome essencial nos alicerces desta arte é Carlos de La Riva. Ele era um jovem apaixonado por cinema em Barcelona. Seu pai (Carlos de La Riva Tayan) havia sido o fundador da rádio espanhola e acabaria criando o primeiro estúdio de dublagem em seu país. Após seu falecimento, seu filho é contratado pelos americanos com a nobre missão de trazer a dublagem pro Brasil. Quando chegou, recebeu a ajuda de Wilson Vianna (o eterno “Capitão Aza” e “Tarzan” do cinema mexicano), que o auxiliou na adaptação à língua e aos costumes de nossa terra. Anos depois e já completamente imerso nesta cultura, Carlos decidiu dar o próximo passo e fazer um estúdio (com o canadense Ralph Norman), já que além de trabalhar como mixador para os americanos, o pró-ativo rapaz já estava ensinando a técnica da dublagem aos atores da época. Em meio a um período turbulento nacional (o golpe militar), nascia a Rivatom.

Acompanhado por Telmo Avelar (o representante da Disney no Brasil), esteve à frente de marcos na área como “Branca de Neve” e “Bambi”. Carlos ensinava a técnica do som direto, que não era comum no cinema nacional, assim como ajudou Walter Goulart a lidar com a sonoplastia. Após o fim da sociedade com Norman, ele abre a TecnicSom (que ficava dentro do Museu de Arte Moderna). Na década de 70, um incêndio atinge o MAM, porém o estúdio manteve-se intacto (os deuses da dublagem estavam presentes). Carlos deslocou-se então para o Catumbi, e como um eterno apaixonado pela Sétima Arte, participou da Cooperativa Brasileira de Cinema, com grandes cineastas da época. Anos depois, reuniu-se novamente com Walter Goulart, criando a Delart.

A dublagem em seu início era artesanalmente conduzida pela criatividade dos envolvidos. Não havia forma de criar efeitos mecânicos, como a variação do som de uma pessoa a falar no telefone, portanto o profissional tamparia o seu nariz e estava feito o truque! Se o roteiro pedia que o personagem falasse enquanto se distanciasse da cena, o dublador tomaria distância progressivamente do microfone, chegando a sair de sua cabine de gravação, para obter o efeito necessário. Não havia controle sobre as horas trabalhadas, o que levava quase sempre a gravações que adentravam as madrugadas, tudo no intuito do aperfeiçoamento das cenas. Todo o esforço era recompensado de forma amigável, com os diretores pagando aos profissionais o valor que consideravam justo. Hoje em dia este panorama está modificado, com regulamentos com relação aos horários e aos valores, pagos pelos vinte segundos que consistem cada loop.

Nossa viagem no tempo passa por vários estúdios cariocas importantes, como a Riosom (depois nomeada “Peri Filmes”), a Dublasom (de Ribeiro Santos e Nilton Valério), a Cinecastro (que depois daria origem a Tele Cine),Cine Video, TV Cinesom, a Rio Som (depois absorvida pela Dubla Som), a Rivatom (depois nomeada Delart), além das já citadas Cine Lab e Herbert Richers. A dublagem foi uma ferramenta criada para suprir a necessidade das televisões em exibir produtos estrangeiros, já que não existiam as legendas. De ferramenta, tornou-se uma refinada arte, que encontrou no Brasil o justo reconhecimento mundial por sua excelência.


Fonte: Guilherme Briggs